reflexões do Reino

Eu, Deus e minhas escolhas coloridas

A minha primeira memória negativa em relação à um esmalte é bem antiga. Eu tinha o quê… 9, 10 anos, talvez? Não tenho certeza. Na época eu usava meia-calça com uma certa frequência e minha mãe usava base para segurar um pequeno desfiado da meia. No caso, se a meia começa a desfiar num lugar escondido, você coloca um pingo de esmalte e ele segura para o problema não piorar e você não perder a meia sem necessidade.

Acontece que a gente não usava esmalte nas unhas – era pecado. Nem mesmo a base. Mas sabe como é criança… aquela curiosidade tremenda, aquela vontade de experimentar. E assim, um belo dia eu decidi experimentar. Peguei aquele vidrinho e passei o conteúdo em cada uma das minhas unhas. Para a minha ‘alegria’, minha mãe percebeu o que tinha acontecido algumas horas depois – no meio do culto de domingo. E não, ela não esperou voltarmos para casa. No banheiro da igreja eu recebi minha reprimenda e a lição foi aprendida.

Anos depois, quando eu já não morava mais com meus pais, fui visitá-los num final de semana. Minha irmã queria *muito* ir num evento da igreja, desses grandes, numa cidade vizinha. A condição imposta pelo meu pai era simples: ele levaria desde que eu limpasse minhas unhas (que estavam com o terrível esmalte ‘renda’). Eu já era independente e trilhava em direção às minhas escolhas e descobertas. Já pintava minhas unhas quase sem culpa. Poderia começar uma discussão. Mas, olhando para minha irmã, vi em seu olhar algo do tipo “por favor, por mim, não crie confusão dessa vez”. Respondi ‘claro!’, e com acetona e algodão lá se foi o trabalho impecável de uma manicure paga com meu dinheirinho suado. Mas não me arrependo.

com essas aqui você vai direto pro inferno, né?”

O cenário muda novamente. Agora estou num estado diferente e já tenho meus vinte e poucos anos. Minhas unhas estão pintadas de rosa. Um membro da igreja (não darei detalhes, pois meu objetivo não é expor ninguém) vê minhas unhas, *pega a minha mão* e diz: você sabe que com essas aqui você vai direto pro inferno, né? (sim, estas foram as palavras literais).

Não é algo novo e nem isolado. Pessoas são constantemente criticadas e achincalhadas por conta de como elas se parecem exteriormente. Mas, a menos que você sinta isso na pele, vai ser muito difícil realmente entender como é que alguém se sente quando é o que ouve.
Mas e por quê estou contando tudo isso pra vocês?

Semana passada eu estava decidindo qual esmalte usar. Como quase sempre estou com alguma tonalidade de vermelho, decidi mudar um pouco e usar um branquinho. A verdade é que gosto de mudar e me lembrar que não sou melhor por usar vermelho, nem pior usando branco ou deixando minhas unhas naturais. Enquanto passava o esmalte, de repente começou a vir em minha mente várias histórias, momentos e frases que ouvi, falei e vivi. De tantas vezes em que o nome de Deus foi usado para justificar tantas críticas e julgamentos. E, mais ainda, de tantas vezes que me perdida ou abandonada por Deus por conta das cores que estavam em minhas mãos.

Minha intenção não é, nem de longe, começar um debate teológico sobre x ou y. Que isso fique claro. Mas não posso terminar sem compartilhar com vocês um trecho que uma vez li e que marcou o início de uma nova visão – acerca de mim mesma e do mundo de que rodeia.

“Em questões de consciência, a alma deve ser deixada livre. Ninguém deve controlar o espírito de outro, julgar por outro, ou prescrever-lhe o dever. Deus dá a toda alma liberdade de pensar, e seguir suas próprias convicções. “Cada um de nós dará contas de si mesmo a Deus.” Rom. 14:12. Ninguém tem direito de imergir sua Individualidade na de outro. Em tudo quanto envolve princípios, “cada um esteja inteiramente seguro em seu próprio ânimo”. Rom. 14:5. No reino de Cristo não há nenhuma orgulhosa opressão, nenhuma obrigatoriedade de costumes.”
O Desejado de todas as nações, pág 550-551

A primeira vez que li, eu fui até o livro, pois precisava ver o contexto. Depois, procurei o original em inglês. Como assim? Como assim? Alguém realmente tinha escrito isso, com esta intenção? Não foi erro de tradução, ou mesmo uma interpretação fora de contexto?
Pois é. Não foi.

E que surpresa que foi para mim, ao perceber que eu mesma ainda precisava aprender a aceitar essa coisa chamada graça, esse conceito revolucionário de que o ser cristão tem muito mais a ver com o que faço, falo e penso do que como eu me pareço. Ah, mas é claro, você me diria, no alto da teologia popular do século XXI.

Deveria ser claro, mas não é não. Se fosse claro, ainda não teríamos tantas pessoas fazendo penitências. Não teríamos os ‘modernos’ criticando os ‘tradicionais’, nem ‘tradicionais’ apontando o dedo para ‘modernos’. E não teríamos tanta culpa, sim, tanta culpa arraigada no coração de pessoas que cresceram ouvindo falar de Deus. Ou cresceram ao lado de quem supostamente O conhece.

Quero que você saia hoje com isso em mente:

No reino de Cristo não há nenhuma orgulhosa opressão, nenhuma obrigatoriedade de costumes.”

Padronizar a roupa, o cabelo, a aparência externa é, sem dúvida, o caminho mais curto para você parecer ser cristão. Pode ser que em algum momento você acabe se tornando um, não estou negando isso. Mas, sem dúvidas, este é o caminho que, à longo prazo, será o mais difícil, superficial e cheio de percalços. Isso por quê, meu amigo, não há nada que você faça que possa te fazer uma pessoa melhor. Nada. Você pode, no máximo, parecer. Mas, dentro das paredes da sua casa, a sua família sabe de fato, quem você é. E, ainda mais, você, no silêncio dos olhos fechados antes de o sono chegue, você também sabe que sem a capa, só sobra você – cheio de tantos desejos, erros, problemas e falhas que só você sabe que estão lá.

Por outro lado, se você deixa de lado tudo o que for relativo à questões exteriores e decidir olhar para dentro, o caminho será mais difícil – porém muito mais recompensador. É preciso de muita ajuda, de algo externo à nós mesmos para conseguir isso. Você não vai poder mentir para você mesmo ao se olhar no espelho – você sabe que não há nada que possa cobrir ou disfarçar sua real situação aos olhos de Deus. Nesta descoberta, você vai descobrir que precisará estar ao lado do Eterno todos os dias para ser transformado. Vai precisar ouvi-lO e falar com Ele. E, ao longo da caminhada, vai descobrir o que não cabe mais – e vai se surpreender que o que você precisará abrir mão geralmente tem muito mais a ver com as preciosas ideias e conceitos agarrados com unhas e dentes do que necessariamene peças de roupa ou vidrinhos com tintas coloridas.

E, de repente, tanto faz. Tanto faz se minhas unhas são vermelhas ou não. Se o outro é tradicional ou moderninho. Afinal, no Reino de Deus atitudes e posturas valem muito mais do que meros costumes.

E finalmente você entende o que Jesus quis dizer ao falar que “o meu jugo é suave e meu fardo é leve”. E viva a liberdade que só pode ser experimentada através dos olhos dEle.

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